É um menino bonito. Muito bonito. Tem um olhar vivo e curioso. E brinca, brinca muito. A tudo: a enviar emails como a mamã, num computador que construiu com uma caixa e cartões; a cuidar dos bebés ou das barbies; a jogar à bola; a fazer puzzles e construções com legos ou a fazer obras com a retroescavadora e o trator. E pergunta. Pergunta muito. Sobre tudo. Especialmente aos pais, aos irmãos mais velhos e à educadora.  O Pedro tem 5 anos e a vivacidade de uma criança saudável. Mas tem, nas últimas semanas, andado visivelmente mais agitado. Parece oscilar entre episódios inflamados - um ou outro mesmo manifestamente agressivo – e momentos em que, num registo quase obsessivo e sem que nada tivesse feito para o justificar, se desdobra em pedidos de desculpas angustiados aos pais.

  À boleia de uma sensibilidade e inteligência apuradas e, sobretudo, do amor maior que os liga ao filho, os pais partiram da preocupação para sentir, imaginar e pensar o Pedro: o que tanto o estaria a angustiar? Como o poderiam proteger? E decidiram tentar acertar algumas pontas soltas: tiveram, com ele, uma conversa dura sobre como terão tolerância zero para comportamentos agressivos; apertaram as regras (do arrumar os brinquedos depois de brincar, a limitar o tempo de desenhos animados, passando pela exigência de ir para a mesa quando é hora de jantar), ao mesmo tempo que lhe deram colo, dizendo-lhe que imaginam que esteja a ser muito difícil estar a ter menos tempo com os pais; que se pode zangar à vontade; que lhe pode apetecer muito bater, arranhar ou morder; e que podem falar sobre isso. O que já não pode – mesmo! – é bater, arranhar ou morder.

  Um quadro de limites, claros e sensatos, será essencial para amortecer o choque do desejo com a realidade. Funcionará como uma espécie de vacina contra a omnipotência, e de estimulante da tolerância à frustração e da capacidade de pensar as emoções. O exercício da autoridade (nunca do autoritarismo!) será, por isso, sempre um gesto profundo de afeto. Instiga a criança a distender-se, a soltar-se, a ligar-se ao que sente e a expressar-se de forma mais livre, com a segurança de que, se exagerar, tem quem a pare, com firmeza e segurança. Já a sensação de não ter quem seja suficientemente forte e seguro para a pôr no sítio, quando for caso disso, deixa-a mais sozinha com a intensidade do que sente e, por isso, mais contida, hiper-vigilante e assustada, por um lado, e mais à mercê de reações impulsivas e incontinentes por outro (ou não fosse a contenção muito mais amiga do impulso do que aquilo que nos fomos habituando a imaginar quando exigimos às crianças posturas exemplares).

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, uma ou outra vez, inspirados num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.